O último perfume do Rei Narigão
(Capítulo II)
Esse talento trazia-lhe, no entanto, não poucos problemas. Num reino em que as represas estavam descuidadas, porque o rei não se preocupava com a sede dos seus súbditos, poucos praticavam os hábitos higiénicos mínimos, o que era desagradável para toda a gente, mas ainda mais para as narinas sensíveis do déspota.
Pior ainda, sabia quase sempre o que os outros sentiam. Se, apesar das vénias, o detestavam, cheirava-lhe a urtiga. Se lhe pediam esmola, o odor era a cobre. Se um bobo lhe contava uma anedota, sabia antecipadamente se a piada era de salão, caso em que do bobo exalava um cheiro a chá Earl Grey, ou ordinária, caso em que o comediante tresandava a pimiento padrón. Pelo que já nem uma anedota fazia o rei esboçar um sorriso. Ora, se tão apurado sentido olfactivo lhe era útil para o exercício das suas reais funções, não lhe restava nenhum mistério na natureza humana com que o rei pudesse espantar-se. O rei sentia, pois, um tédio imenso.
Só a princesa, de seu nome Hortênsia, persistia em surpreendê-lo.
Houve um dia, mal tinha acabado o Inverno, que Hortênsia o visitou de manhã nos seus aposentos, estava o rei ainda vestido no seu real pijama de seda perfumada a incenso.
“Querida filha, que pivete é este que sinto no ar? Alguma coisa te preocupa?”
“Senhor meu pai, é a Primavera.”
“E o que tem a Primavera que possa apoquentar a minha linda princesa?”
“Senhor meu pai, não sou mais uma criança, as flores desabrocham e eu preciso de um príncipe. Desejo desposar-me.”
“Filha, queres dar-me, portanto, um herdeiro, alguém que prossiga a minha missão neste reino. Não seja por isso, não julgues que não tenho pensado no futuro, tenho muitos pretendentes que dariam tudo para ter a tua mão.”
“Mas paizinho, eu já tenho um príncipe que amo, é tão bonito e tão gentil.”
“Nem penses nisso, vou organizar um torneio e o vencedor terá a tua mão. Há uma tradição que tem de se cumprir.”
Temerosa, a Princesa Hortênsia chorou lágrimas de alecrim e hortelã.
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