25 de janeiro de 2008

Malditos comunas

O que se passa comigo? Pois, és capaz de ter razão, se calhar ando um bocadinho alheado. Não sei bem, acho que ando preocupado com o trabalho. Sabes, havia uma data de estratégias que me inspiravam na relação com a malta. Agora, nada resulta, tem sido cada um para o seu lado. É a greve dos argumentistas. Raispartóscomunas, pá. O Tony Soprano há que séculos que não me dá uma tirada para pôr os gajos na linha, não posso estar sempre a dizer a mesma coisa, não provoca o mesmo efeito. Como é que eu ponho os tipos na ordem sem a acidez das deixas do Dr. House, pá? Aquilo lá no escritório tem andado ao deus dará.

Achas que o problema não é esse? Porquê? Não tenho sido tão romântico e divertido como antes? O que queres, já me começam a faltar as frases originais com que me declarava apaixonadamente, as pequenas piadas íntimas que te faziam rir. E isso não é nada, querida. Vê lá se os sindicatos se lembram de instigar os sonoplastas a fazer greve? Lá se vai a banda sonora que dava o ritmo à nossa paixão. Ou os directores de fotografia. Se isso acontecer, e não deve faltar muito, como é que fica aquele pôr-do-sol? Esbatido, translúcido, sem graça. E se deflagrar a greve dos duplos, não vamos poder escalar os Himalaias para contemplarmos o mundo a nossos pés. E a greve dos…

O quê? Não, querida, claro que não, não estou a inventar uma desculpa para te dar a tampa, descansa. Há sempre os clássicos. Podem estar um bocadinho gastos, mas caem sempre bem.

E como diria o velho Humphrey, "teremos sempre Fernão Ferro". Pois, tá bem, é Paris, é isso, Paris.

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22 de janeiro de 2008

Outras manhãs

De Invernos idos lembro-me das manhãs cinzentas. Manhãs cinzentas como não se fazem mais.

É a memória que me faz tiritar de frio quando penso nos penosos passos que me conduziam, a medo, rompendo pelo nevoeiro, a caminho da escola.

Antes o padeiro deixava o pão pendurado na porta e trincava-o, ora fumegante, seco e estaladiço e morno, ora molhado na geleia escura. Tomava duche a muito custo e tirava as ramelas dos olhos. Era bom tirar as ramelas dos olhos. A mãe depois enfardava-me em camisolas felpudas, macias, botas pretas, cachecóis, canadianas de lã grossa e empurrava-me, para longe do aconchego. A etiqueta de xadrez que certificava a origem da pura lã escocesa fazia-me sonhar com cavaleiros do Walter Scott.

Parece-me que as roupas eram cinzentas. Não sei se a memória é fiel. Mas tinha uns oito anos e havia qualquer coisa de cinzento em ter-se oito anos em mil novecentos e setenta e nove.

A escola era cercada pela mata e naquele tempo as árvores eram mais altas. Tão altas que a sombra impedia os arbustos de seguir o seu instinto e tornarem-se, naturalmente, verdes. Intimidados pelo breu, pareciam-me melancolicamente negros.

Naquele território plúmbeo, o azevinho tentava-me, oferecendo-me bagas, tão visivelmente escarlates que me feriam o olhar. Dizia-se que eram assim bonitas porque venenosas. Tudo o que luzia parecia perigoso, naquelas manhãs.

Ao longe, ouvia-se o eco do comboio, que, sofregamente, engoliria os sonâmbulos empregados de comércio, de uma penada, pela boca escura do túnel do Rossio.

Todavia, uma vez chegado à escola, abertos os cadernos e trocado o medo pela sofreguidão de aprendiz do mundo, gostava de ver o nevoeiro através dos vidros sujos da sala de aula. O nevoeiro denso e branco, do lado de cá, era luminoso e acolhedor. Parecia guardar todos os males dentro de si, velando por nós.

A Profª Maria do Céu mandava-nos recolher as moribundas folhas do recreio e eram momentos tranquilos. Perguntava de que cor eram as folhas. Colávamo-las nas cartolinas. Gostava de sentir os dedos engelhados pela cola e unidos à força, como a pata de um batráqueo. Gostava do cheiro doce da cola. Havia uns miúdos que, lá fora, gostavam ainda mais, aspiravam-no de copos de plástico que seguravam com as mãos em concha.

Já não gostava tanto, nos meus oito anos, do predicado e do sujeito, dos pretéritos, perfeitos e mais que perfeitos, da tabuada, a álgebra apavorava-me, suplicava à sorte que não me chamassem ao quadro para fazer contas de dividir. Tinha terror das contas de dividir. Mas gostava dos ditados. Gostava de desenhar os arabescos rebuscados daqueles caracteres infantis.

Depois acabava a aulas e regressava a casa, sob o sol do meio-dia que inexoravelmente acabava por vencer a névoa. Ou sob a chuva molha-parvos, que o conduzia lentamente para o bueiro.

No pequeno apartamento, sim, havia cor. Os maples de cornucópias amarelas e grenás, as alcatifas castanhas, os quadros do Botelho, o chocolate a derreter em banho-maria, as gemadas, os pimentos vermelhos a arder nos bicos do fogão, as gravatas berrantes do pai guardadas no armário, o azulejo da casa de banho, o frasco de tinta permanente, os fetos nos vasos da sala, os cravos (ou seriam salgueiros?) na varanda estreita. A preto e branco, só a televisão com os tempos de antena da FRS ou da AD. Mas a televisão transportava-nos lá para fora.

E, lá fora, as manhãs eram cinzentas, os prédios eram escuros, os autocarros de um verde desmaiado, as árvores, despidas. Os transeuntes, pálidos, ensimesmados, flácidos.

Talvez me vestissem de cinzento para me mimetizar com uma época, talvez me quisessem camuflar no nevoeiro, protegendo-me e preparando-me para os cromáticos, pindéricos, excessivos, mágicos anos 80 que aí vinham.

Mas talvez recorde mal.

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5 de janeiro de 2008

Índios e cobois

Um copo de água!

Que lata. O tipo entra no saloon, com pose de duro, olha de lado para a malta como se fosse o Clint Eastwood e aproxima-se lentamente do balcão para pedir, com maus modos, um copo d’água?

- Simples ou com gás? - perguntou o andrajoso barman.

- Com gás! - seguido de uma estrondosa palmada na mesa.

Não podia ser verdade. No meio daquele bando de homicidas, o forasteiro pede água com gás?
- Ah, e quero também um bolicao!

O Paco, mexicano mal encarado que se divertia a assassinar gringos e índios a sangue frio e a rapar-lhes o escalpe, não aguentando mais, levantou-se, indignado:

- Escuta, muchacho, onde julgas que estás? Que raio de pedido foi esse?

-Água e Bolicao. És servido?

- Estás louco, gringo! Manel, serve-me mas é uma coca-cola, que isso é que é bebida de homem! E não quero laites ou zeros, quero a coca-cola original!

E, depois de engolir a coca-cola de penalti, Paco sacou a sua pistola de água e, sem piedade, deu três tiros no forasteiro, que caiu morto no chão do saloon. Feliz com a sua pontaria e sangue-frio, tirou do bolso um cigarro e acendeu-o, pingando o chão com o chocolate derretido.

De volta à normalidade, os cobois das outras mesas voltaram para o caimbs e os sumois de ananás.

Paco, ao sair do bar, foi preso e levado no triciclo do cherife para a esquadra mais próxima, feita de Lego.

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4 de janeiro de 2008

O fim da ideologia




Coimbra, 2007


Brioso diálogo,
Vertido em pichagem,
Mofando do ideológo,
O cábula passa mensagem.

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