16 de abril de 2009

Máxima

imagem saqueada daqui

(continuação daqui)


Diz nada e faz por pensar o nada: mas pensar o nada é claramente pensar em tudo e esse pensamento tão pesado e abarcante e circular atormenta-a, é muita areia para a sua carroça, põe-na doida, dá-lhe achaques só de matutar nisso, o que Máxima quer é esvaziar-se, esvair-se, quer escapar desse remoinho roliço que a entope na existência, vê-se transformar-se concreta, como a argamassa em metamorfose se faz cimento, é um facto irrefutável que ela não saiu da sua cama, mas, vendo bem, não ter vivido nada é um alívio, Máxima, por milagre, é honrada, não deve nada a ninguém, não escapuliu com o amante para a pensão, não mordeu maçã alguma, Henrique não morreu a meio caminho do seu pecado, Henrique não finou por o ter abandonado, não há que fazer penitências, foi tudo um sonho frívolo, frívolo como o são todas as mulheres, bem vistas as coisas tem de pagar pelo pecado original e se a penitência é levar uma lambada do seu marido, ela bem merece a lambada, reze-se um Pai nosso, leve-se uma estalada e estás perdoada, Máxima, o reino dos céus para os pobres de espírito e deixa-te de merdas, Máxima, porque raio não queres abrir os olhos, porque diabo os cerras para não veres o Cristo pregado na parede nua do teu quarto, em nome de quem fazes por não sentir o rubor na face que permanece do castigo do teu marido, é só mais um simbólico correctivo de entre tantos que ainda estão no ror do deve e haver desde os tempos bíblicos, o justo paga pelo pecador e assim está escrito e não há nada a fazer, e então porque sentes uma febre que te alaga toda a fronte, quando foi só um sonho que te aqueceu mais uma indiferente noite de tédio, e porque quando queres sorrir com fleuma o teu sorriso tolo de sabida quando o parvo do teu marido te assoma ao ouvido, assustado – uma vez sem exemplo - “o que foi Máxima”, quando vais dizer, não foi nada, Júlio, foi só um sonho, coisas de mulher, porque raio tu te fechas, e insistes em aferrolhar a sete chaves a tua vista, porque fazes de conta de não sentir o bafo quente do rafeiro que te sopra ao pescoço Acorda, mulher, mas o que te deu?, abanam-te o corpo todo pegando-te pelos ombros e então porque carga de água queres voltar ao sonho, queres tu viver o que de facto jamais viveste, e fechas os olhos como que sentindo a surpresa da criança que pela primeira vez viu os seus pais amando-se como as bestas quando estão de cios, e fazes gazuas aos teus olhos até sentires as pálpebras ardendo para escapar da inteireza, e não queres pensar, e não querer é em si um acto de vontade, que era a última coisa que querias, ter vontade, e quando tudo está prestes a ficar turvo, e plúmbeo, e desvanecido e tranquilo como o espelho que o lago faz nos dias de verão cálido, como o gume que te esfria compadecido o pescoço, quando tudo parece voltar ao seu devido lugar, quando tudo está arrumadinho e quase adormeces para sempre, tão inócua como a rola, contrafeita tornas a sentir a voz, do fundo de ti renasce aquela voz rouca que te faz reacender a fogueira, ruges flamejante de agitações, entreouves aquela voz de poço que te apavora e que te faz sentir viva, Máxima, o que te deu, criatura?, aí não resistes, abres, que remédio, as cortinas do teu olhar, e é com horror, mas sobretudo com alívio, que te apercebes que aquela súplica assustada provém de uns lábios finos que (deveras) mordeste, e que ele está bem vivo, e que o pecado é bem real, e que é Henrique que, te diz, Acorda, Máxima, e, uma vez sem exemplo quase te grita, Acorda, meu amor! não penses em mais nada, já passou, não penses em nada. E tu, Máxima, não queres pensar, não queres pensar em nada, não tens vontade, a mínima vontade de te armares em agreste, mas sem saber de onde isso te vem, pensas, morreria, morreria, no altar de ti, mas ao altar já foste tu, Máxima, e não com Henrique.


(Cont., ou talvez não, dir-me-ão vocês, irrequietos e impacientes leitores)

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8 de abril de 2009

Last minute sale


Aos interessados, nesta Páscoa recomenda-se um fim de semana na belíssima região transalpina dos Abruzzi. Diz que há parques de campismo onde nada falta. E de borla.

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