27 de novembro de 2008

Eno & Byrne are back

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Queridos 80

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18 de novembro de 2008

) (

Terminado o encontro fortuito, que um técnico apelidaria por coito, de modo a abarcar não só o processo, mas todas as possíveis consequências, ele virou-se para a esquerda, ela para a direita.

Os amantes deram as costas um ao outro no leito e os seus corpos formaram, talvez até conscientemente, uma simbólica borboleta )(

A respiração de ambos foi aplanando e acabaram por embalar na sinfonia colectiva e imutável da cidade, um canto suave, abafado quem sabe em que medida pelas venezianas da janela e pela culpa.

Ficaram assim umas boas duas horas, naquele silêncio recheado, até que ela se levantou com elegância, num capricho de leveza ou num impulso de dignidade, amputando a borboleta da sua asa direita )

Com aquele passo de dança, certo é que fechou um parêntesis de beleza efémera e retomou as rédeas da sua continuidade essencial.

Ele foi deixando-se estar, permanecendo ainda no lado de cá - ou de lá, não é a verdade senão perspectiva? - , até que, com um suspiro, de dormência ou de alívio ou de aborrecimento ou de desilusão ou de nostalgia, se levantou por seu turno, dando o golpe de misericórdia na borboleta mutilada.

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15 de novembro de 2008

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11 de novembro de 2008

Retalhos de uma vida ficcionada

Pensa na primeira vez que respiraste: um vento imparável que te entrou pelos pulmões, te assoberbou de espanto e que devolveste com um furacão digno do génese. Que primeiro e marcante berro soltaste! Ainda não vias nada, mas revoltavas-te contra o frio da sala de parto, contra as mãos ásperas do médico que te seguravam enquanto choravas como uma hiena endiabrada, essas mãos que depressa desistiram para te entregar ao regaço sanguíneo da tua mãe, calando-te, permitindo que ouvisses pela primeira vez a voz vermelha, forte, do teu pai finalmente emocionado, por tua causa.

Já eu, recusei-me a respirar.

Não houve médico que me segurasse.

Não conheci o colo da minha mãe.

Não faço ideia onde parava o meu pai.

E não respirei.

Nasci apressado, sem aviso, um mês antes de tempo. Olhando para trás, o meu nascimento prematuro é uma metáfora perfeita do que seria o resto da minha vida: uma ultrapassagem a galope, passando ao seu lado. Vi a vida, mas não a agarrei. Toda a minha existência procurei recuperar o momento primordial da minha existência, o momento de um tal assombro que os pulmões, dotados de auto-arbítrio, se recusaram a funcionar.

Consegui-o uma única vez, tão brevemente como nos primeiros minutos da minha vida, no exacto instante em que me cruzei com um rosto frágil, que parecia caber na palma de uma só mão, um sorriso triste, uns olhos feitos de anis.

Por esse momento, tão breve como um relâmpago, fiquei sem fôlego. Mas ele parece durar para sempre, como a chaga de uma guerra para a qual fosses alistado sem a quereres combater.

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9 de novembro de 2008

Retalhos de uma vida ficcionada

Lá no alto, um deus pequenino e solitário dá uma atmosférica dentada em algodão-doce:

Tal deus menor abocanha a nuvem, saboreia, degusta, fura a nuvem. Com a insolência que só a infância permite, espera,

(Faz figas),

Que alguém, lá em baixo, entenda o seu gesto,

Temerário.

Por seu turno, cá no solo, um puto, metido consigo mesmo, dá uma rasteira dentada no insecto:

Tal puto, abocanha, matreiro, perniciosio, uma formiga. Com a insolência que só a infância permite, espera,

(Faz figas),

Que alguém, lá no alto, entenda o seu gesto,

Temerário.

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7 de novembro de 2008

Retalhos da vida de um consultor

É sexta-feira. Quando chegar a casa, Sérgio vai largar a mala no sofá, despir a farda de consultor fiscal, abrir o frigorífico para servir-se de um vodka tónico (Black Goose, não um vodka qualquer). Não, não vai, porque a bebé exige atenção, Sérgio muda-lhe as fraldas, dá-lhe o biberon e fá-la arrotar. A miúda adormece quando a mãe chega. Jantam. A miúda acorda. A mãe trata da arrumação e Sérgio embala o bebé. Este adormece. A mulher deita-se. Leva a miúda consigo. Embora ainda não tenha quarenta anos, Sérgio sente-se um veterano extenuado, um resto, uma sobra. Diz à mulher que já lá vai ter, faz um desvio no escritório e liga-se ao ITunes.

Nesta noite, Sérgio vai ouvir a música que fez da sua adolescência um período vibrante. Com os fones high-fidelity nos ouvidos, Sérgio grita os versos toscos de Rockaway Beach. Com esta música, Sérgio é transportado para os catorze, em que era conhecido por S Ramone e tinha formado uma banda com um pessoal punk, da Linha.
Estamos, pois, em 1985. Sérgio está de pé, em cima do divã do escritório, e toca uma guitarra imaginária. Faz pose de rock-star, dá saltos mortais, chuta almofadas e atira-se contra a parede. O som do seu instrumento de vento é real. Quase um vendaval. No poster que imagina pregado na parede branca, Joey Ramone (o genuíno) levanta o polegar em aprovação. O concerto é electrizante, inesquecível.

Na porta do quarto um toc, toc, que Sérgio não ouve. Quem pode interromper um solo arrasador como aquele? Quem pode parar a fúria punk de S Ramone, o prodígio da guitarra?

S Ramone, o menino lingrinhas e cheio de borbulhas, sente-se o tipo mais poderoso do universo. Agora, só falta aprender a fumar e entender qual a graça do sabor amargo das cervejas que o seu irmão mais velho costuma emborcar, umas atrás das outras.

Como rock star, sabe também que tem o engenho, e sobretudo o descaramento, para falsificar a assinatura do pai naquele desastroso teste de matemática. Afinal, para que carga de água serve a trigonometria? Um guitarrista não precisa de ir à faculdade, certo?

Sobre o ritmo de Rockaway Beach, S Ramone canta versos criados por ele, que surpreendentemente desencantou sem esforço de um canto obscuro da sua memória. O puto já escreveu canções sobre o fim do mundo, guerras nucleares, pais repressores e professores decapitados em salas de aula. S Ramone acredita no sucesso. Vai vender milhões de discos.

Troca a sua guitarra eléctrica de faz de conta por um violão de mentira. Como profissional do show business, S Ramone sabe que toda a boa performance precisa de um momento romântico.

Essa canção, a única que o Joey Ramone do cartaz não aprovava, foi composta para a Alexandra do 8º B e para a rapariga da capa da primeira Playboy que Sérgio tinha tido coragem de comprar, de cujo nome naturalmente não se lembrava, porque não era o nome que estava em causa.

S Ramone toca lúgubre. Canta o amor, a dor e o sangue escorrendo pelos corredores da escola. No refrão, narra uma cena de porrada no recreio. Até que o vencedor do duelo de boxe categoria pesos-abaixo de pluma (ele, evidentemente), entrega uma rosa para a Alexandra do 8º B ou para a rapariga da Playboy (dependendo da versão).

S Ramone atira a guitarra para a público. Agradece os aplausos e salta do divã. Anda de um lado para o outro, ouvindo a turba ululante ao som de “só mais uma, só mais uma”. Salta de novo para o divã e empunha a sua guitarra vermelha (era vermelha, pois).

Agora, voltamos a 2008. S Ramone transformou-se em Sérgio. Ele já sabe fumar e trata por tu o sabor amargo da cerveja. Em compensação, perdeu, totalmente, o contacto com a Alexandra do 8º B e nunca mais encontrou a sua velha e gasta Playboy.

Mas hoje, quando Rockaway Beach despertar a sua alma gasta, Sérgio vai saltar no divã e dedilhar o ar mais uma vez. Até que a mulher (de boca aberta de espanto) e a filha (de boca aberta de gargalhadas) irrompam escritório adentro, pensando se é mesmo aquele o seu marido e pai.

(para o chefe bacano)

Até para a semana. Ou até sempre.

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3 de novembro de 2008

Um conto do imprevisto

(Cont.)

O cavalo, entretanto, acaba de engolir a pasta verde que lhe enchia a boca e agora, por um interminável segundo, volta a olhar, sem ver o horizonte. Baixa a cabeça com parcimónia (movimento que é seguido pelas moscas que não há modo de lhe largar as orelhas), esfregando a boca no chão húmido para se livrar de umas flores bonitas que lhe haviam ficado entaladas entre os dentes.

Amélia estava prestes a morrer uma vez mais quando o leitor faz uma pausa no drama, deixando-a suspensa, mas nem por isso expectante, consciente do seu inevitável destino. Marcando a página com intenção de lá voltar, o leitor fecha o livro e abre um exemplar raro da revista “O Cruzeiro”, saída ao prelo nos idos de 16 de Abril de 1878. Faz fé no que agora lê, com a consideração que lhe deve o prestígio do mestre Machado de Assis: numa crítica aí publicada, Machado de Assis, das alturas do Olimpo Literário que conquistou, profere a lapidar sentença, publicada preto no branco e constante de folhas: «“O Crime do Padre Amaro” é imitação do romance de Zola, “La Faute de l’Abbé Mouret"».

Em consequência, o leitor abandona definitivamente a leitura de “O Crime do Padre Amaro”, faz um esgar de desprezo e solta o livro às labaredas da salamandra com que aquecia os pés, condenando Amélia a uma morte desta vez diferente. Antes de sucumbir às chamas, Amélia pensa como desejaria conhecer a irmã francesa inventada por Zola e de quem nunca antes tinha ouvido falar.

Francisco Mendes está prestes a sair do bar quando, numa prova de que a vida é feita de acasos e imprevistos, a equipa visitante, de fracos pergaminhos, realiza uma daquelas proezas de que o futebol é fértil e que fazem dele um desporto de multidões. Contra todas as probabilidades, o trinco dos visitantes, cujos dotes técnicos se resumem no justificado epíteto de “carrega-pianos”, faz um movimento de ruptura que deixa os bem mais dotados atletas da equipa caseira pregados no relvado, de tal modo que o central da equipa hóspede, ferido no orgulho, derruba a pés juntos o adversário. Livre directo, último minuto da partida. Francisco Mendes olha para o televisor e dá um último gole no scotch. O livre é bastante mal cobrado mas o esférico é lançado numa improvável órbita que desafia as leis da balística. A bola ressalta nas costas de um defesa, o guarda-redes não consegue calcular a trajectória ziguezagueante, indo o esférico embater com estrondo na trave e de novo numas costas de um jogador caseiro, agora do guarda-redes, entrando consequentemente na baliza defendida pela equipa da casa e fixando o resultado final: um inacreditável zero um.

O lance incaracterístico e improvável é tomado por Francisco Mendes como um sinal: sai do bar disparado para a estação de comboios, nem sequer passando pelo apartamento para recolher os seus parcos haveres, e aí compra um bilhete só de ida para o apeadeiro transmontano.

A composição atravessará, manhã cedo, um pasto onde um cavalo velho vê a refeição interrompida pelo ruído do monstro circulante. Francisco Mendes, nesse preciso momento, está à janela, mirando o vazio com um olhar fundo, que parece preenchido de tudo o que não vê, como se os montes que lá ao longe o contemplam impregnassem o mirar humano do sentido da insignificância. Repara, contudo, na figura triste de uma pileca e parece-lhe (não sem incredulidade), que o animal baixa a cabeça à sua passagem, como que cumprimentando com sábia familiaridade um ser que, bem vistas as coisas, com ele partilha muito mais profundas semelhanças do que as anatómicas diferenças que aparentemente os separam.

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