11 de novembro de 2008

Retalhos de uma vida ficcionada

Pensa na primeira vez que respiraste: um vento imparável que te entrou pelos pulmões, te assoberbou de espanto e que devolveste com um furacão digno do génese. Que primeiro e marcante berro soltaste! Ainda não vias nada, mas revoltavas-te contra o frio da sala de parto, contra as mãos ásperas do médico que te seguravam enquanto choravas como uma hiena endiabrada, essas mãos que depressa desistiram para te entregar ao regaço sanguíneo da tua mãe, calando-te, permitindo que ouvisses pela primeira vez a voz vermelha, forte, do teu pai finalmente emocionado, por tua causa.

Já eu, recusei-me a respirar.

Não houve médico que me segurasse.

Não conheci o colo da minha mãe.

Não faço ideia onde parava o meu pai.

E não respirei.

Nasci apressado, sem aviso, um mês antes de tempo. Olhando para trás, o meu nascimento prematuro é uma metáfora perfeita do que seria o resto da minha vida: uma ultrapassagem a galope, passando ao seu lado. Vi a vida, mas não a agarrei. Toda a minha existência procurei recuperar o momento primordial da minha existência, o momento de um tal assombro que os pulmões, dotados de auto-arbítrio, se recusaram a funcionar.

Consegui-o uma única vez, tão brevemente como nos primeiros minutos da minha vida, no exacto instante em que me cruzei com um rosto frágil, que parecia caber na palma de uma só mão, um sorriso triste, uns olhos feitos de anis.

Por esse momento, tão breve como um relâmpago, fiquei sem fôlego. Mas ele parece durar para sempre, como a chaga de uma guerra para a qual fosses alistado sem a quereres combater.

2 comments:

Anónimo,  30 de novembro de 2008 às 20:48  

gostei muito, titi.
beijos para ti.
s

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