7 de dezembro de 2009

João Maria


É dezembro. No lá-fora, tudo parece estar parado. Tudo, no lá fora, corre tranquilo, são folhas secas, caducas, moribundas e pardacentas e tranquilas. O sol vê-se, sim, o sol vê-se não. Não se vê, o sol. Tanto faz, que o sol não se veja. É dezembro, e está tudo mudo. No cá-dentro, é a lâmpada fluorescente que se destaca, aquela lâmpada que me dava cabo do tino, aquela lâmpada ecológica vinda lá do-alto cuja luz irritantemente lúcida e límpida e pura e e puritana daria vontade de estoirar com ela, antes que a tipa desse cabo de ti, essa merda de luz rígida que põe todos os teus defeitos a nu. Antes, daria cabo dela. Agora, tanto faz, que a luz seja irritante e lúcida e límpida. Não tenho de fugir dela, não temos de inventar uma tarde abrigada a lençóis de flanela e alimentada a filmes de Fellini e abrilhantada a gelados da Haggen Dasz. Tanto faz, que o realizador deste filme esteja curto de ideias e a tarde seja igual e seja dezembro e o lá-fora esteja parado e frio e o cá-dentro seja uma luz fina e límpida e pura e puritana e aborrecida. Tanto faz. Há um pano de fundo (e o pano de fundo deixou de ser uma metáfora fácil, o pano de fundo passa de repente, sem aviso, a prosaicamente traduzir uma fraldinha-de-pano com que, no meu ombro esquerdo, porque me dá mais jeito e porque não no esquerdo, aconchego o arrotito que aí virá, quanto mais depressa melhor, e passo a fazer figas pelo arrotito, quem diria que eu faria figas por arrotitos e pieguices saídas de um catálogo social de bons sentimentos inspirados por recém nascidos). Tanto faz que o director de fotografia esteja virado para dias pardacentos. Neste deserto de dias do lá-fora, dou-me conta de que um filho não é um ser humano à-parte, é um esticamento do teu corpo, do teu humano corpo, é um órgão adjuntivo que deves preencher de sangue quente, do teu sangue, de pensamentos, dos teus pensamentos, dos risos, dos nossos risos, de suspiros, dos nossos suspiros, de respirações, dos teus bafos, dos teus bafos tranquilos, como um dia cinzento de dezembro, e que bonitos que de repente são os dias plúmbeos de dezembro. Se ele chora, és tu que choras, se ele ri, és tu que ris. Eis a alma gémea que procuraste indefinidamente e que encontraste sem fazer por isso. Tanto faz, o tempo feio. Tanto faz, o lugar-comum. Tanto faz, a originalidade perdida.


Agora, e sem que deixes de ser quem és, tem pouca importância, quem és.

Em suma, deixando-me de merdas e trocando por miúdos: um filho é um ser humano a distância zero de ti. Ele és tu e, o que é mais importante, tu és, e serás sempre, ele.

E a mulher que fez este filme possível, mesmo num dia plúmbeo de dezembro, ela é a tua heroína.

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