Back to basics
"Àquela hora, decerto, Jacinto, na varanda em Torges, sem fonógrafo e sem telefone, reentrado na simplicidade, via, sob a paz lenta da tarde, ao tremeluzir da primeira estrela, a boiada recolher entre o canto dos boaideiros."
Eça, A Civilização
Não foram os bois, foram as ovelhas. Um rebanho considerável, e muitas negras. A pastora parecia correr, bem dizíamos as boas tardes, na esperança de recebermos instrução das coisas simples. Ela não queria nada connosco, parecia navegar sobre o manto verde, o rebanho obedecendo como se fosse um único animal, correndo, bem ensinado , em formação de quadrado, um carneiro centurião protegido pelo seu harém lanudo. A pastora pendurava nos braços viçosos uma ovelhinha. Depois de muita insistência, lá afrouxámos o passo da danada. E questionámos, com curiosidade e com deslumbramento, como não sentíamos desde os tempos idos da escola, porque trazia ela a borreguinha pelo cachaço.
"Acabou de nascer, ali pelos campos. Ainda não consegue andar com jeito."
"Acabou de nascer, como? Há quantos dias?"
"Há uma hora ou duas. Atrasou-me. A mãe pôs-se a lamber o pêlo todo e a comer a coisa"
"A placenta?"
"Pois, isso, a placenta" - baixando o olhar e mirando, tímida, o solo enquanto pronunciava, quase muda, essa palavra dos doutores.
"Posso fazer-lhe uma festinha?"
E a pastora consentiu, como se lhe tivessem feito o mais excêntrico - e infantil - pedido.
Mal botámos a manápula na borreguinha - que trazia ainda pendurado no ventre um fio escarlate vivo-, ouvimos um bramido ameaçador por detrás, era a ovelha negra em desespero maternal.
Como o Jacinto queirosiano, em silêncio duvidámos do mote: "Quem não admirará os progressos deste século?"
1 comments:
Oa menos a pastora não se queixa do fecho das maternidades ao ministro da Saúde...
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