Modern times
"O sol entrava pelas janelas como um rio, e era puríssimo, sem a ferrugem triste que por vezes carrega quando alcança o chão. As nuvens cintilavam, aos tufos, desalinhadas, e, no entanto, havia nessa desordem uma tal harmonia que o velho se lembrou dos jardins japoneses. (...) O velho voava de regresso a casa. Não gostava de aviões. Os aviões, é bem certo, reduziram a Terra a uma rede de metro. Tiraram-lhe o mistério e a grandeza. Também não gostava de auto-estradas, nem de pontes, e tão-pouco de telefones. Odiava a Internet. As viagens rápidas, dizia, eram da mesma natureza perversa que o fast-food - o triunfo da barbárie através da tecnologia. Defendia com vigor o regresso da humanidade à lentidão: "Quanto mais corremos menos tempo temos". Nas grandes cidades há uma frase que a cada instante se repete, como um mantra, aqui, ali, por toda a parte - "não tenho tempo não tenho tempo não tenho tempo não tenho tempo não tenho tempo não tenho tempo". Ninguém tem tempo."
José Eduardo Agualusa, "Uma Silhueta Ardendo ao Crepúsculo", in "Catálogo de Sombras".
Foto retirada de blogue amigo descaradamente sem autorização prévia.
1 comments:
É um dos motivos por que compro o Público ao domingo, para ler as suas crónicas...
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