Retalhos da vida de um consultor
Lá fora chove copiosamente, o meu colega do lado masca ruidosa, alarve e descontraidamente a sua pastilha elástica, os meus colegas da frente palreiam em irritante surdina sobre o desfecho do campeonato de futebol, a minha lista de "to-do's" não cessa de crescer, o dia da surf trip nunca mais chega.
Para cúmulo, passam-me uma chamada do cliente que regateia sempre cada factura que lhe enviamos, em devida contrapartida do trabalho feito com esforço sobre-humano de um dia para o outro, porque era para ontem, e cujo comprovativo de leitura nos chega invariavelmente uma semana depois.
Excertos das expressões do digno representante do tecido empresarial português:
"Ó Dôtór, tá bom? Peço desculpas, mas fiquei surpreendido com os vossos honorários" - bingo.
"´Tá a ver...", estou, estou a ver perfeitamente.
"Diz que há casos em que as coisas não são bem assim...", diz, diz...
"Mas, quer-se dizer..." , começo a ter de desviar o bocal, não vá o ilustre empresário aperceber-se da minha perplexidade perante estes pontapés na Madre Língua..
"Peço desculpas, mas é que eu acho é que tenho de enfatizar." Assim mesmo, desculpas-enfatizar-ponto-final.
"Toda esta confusão é derivada de...". Derivado a esta pérola, tapo o bocal e irrompe um daqueles incontroláveis ataques de riso que me fazem despertar a memória, do fundo do baú, de umas impagáveis aulas de técnicas de tradução na Secundária de Benfica. Pobre S'tora.
"Há de concordar, né?". É, é...
"Tá bem, tá bem, tá bem, só cas coisas não são assim lineares, ó Dôtór".
"Isso é uma maneira de ver as coisas, mas haverão outras". Pois, haverão sempre outros pontos de vista. Sempre houveram, sempre hão, sempre haverão.
"Ficamos assim, atão, ó Dôtór".
3 comments:
"Derivado de" é sem dúvida um mimo!
Também tive Técnicas de Tradução na ESB (de françês) e a única coisa que me lembro é que a minha profª dizia "pôças de água" em vez de "poças". importantíssimo como vês :-)
Eu amei o "tenho de enfatizar", ponto final. As aulas de técnicas de tradução eram supostamente de Inglês, só que a velhota era formada em Germânicas e, completamente caquética, passava o tempo a traduzir para Alemão. E nós, cruéis adolescentes, moita carrasco, era deixá-la seguir com a coisa até à gargalhada final.
Tá lindo!
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