João Maria
É dezembro. No lá-fora, tudo parece estar parado. Tudo, no lá fora, corre tranquilo, são folhas secas, caducas, moribundas e pardacentas e tranquilas. O sol vê-se, sim, o sol vê-se não. Não se vê, o sol. Tanto faz, que o sol não se veja. É dezembro, e está tudo mudo. No cá-dentro, é a lâmpada fluorescente que se destaca, aquela lâmpada que me dava cabo do tino, aquela lâmpada ecológica vinda lá do-alto cuja luz irritantemente lúcida e límpida e pura e e puritana daria vontade de estoirar com ela, antes que a tipa desse cabo de ti, essa merda de luz rígida que põe todos os teus defeitos a nu. Antes, daria cabo dela. Agora, tanto faz, que a luz seja irritante e lúcida e límpida. Não tenho de fugir dela, não temos de inventar uma tarde abrigada a lençóis de flanela e alimentada a filmes de Fellini e abrilhantada a gelados da Haggen Dasz. Tanto faz, que o realizador deste filme esteja curto de ideias e a tarde seja igual e seja dezembro e o lá-fora esteja parado e frio e o cá-dentro seja uma luz fina e límpida e pura e puritana e aborrecida. Tanto faz. Há um pano de fundo (e o pano de fundo deixou de ser uma metáfora fácil, o pano de fundo passa de repente, sem aviso, a prosaicamente traduzir uma fraldinha-de-pano com que, no meu ombro esquerdo, porque me dá mais jeito e porque não no esquerdo, aconchego o arrotito que aí virá, quanto mais depressa melhor, e passo a fazer figas pelo arrotito, quem diria que eu faria figas por arrotitos e pieguices saídas de um catálogo social de bons sentimentos inspirados por recém nascidos). Tanto faz que o director de fotografia esteja virado para dias pardacentos. Neste deserto de dias do lá-fora, dou-me conta de que um filho não é um ser humano à-parte, é um esticamento do teu corpo, do teu humano corpo, é um órgão adjuntivo que deves preencher de sangue quente, do teu sangue, de pensamentos, dos teus pensamentos, dos risos, dos nossos risos, de suspiros, dos nossos suspiros, de respirações, dos teus bafos, dos teus bafos tranquilos, como um dia cinzento de dezembro, e que bonitos que de repente são os dias plúmbeos de dezembro. Se ele chora, és tu que choras, se ele ri, és tu que ris. Eis a alma gémea que procuraste indefinidamente e que encontraste sem fazer por isso. Tanto faz, o tempo feio. Tanto faz, o lugar-comum. Tanto faz, a originalidade perdida.
11 comments:
.. até me comoveste agora:)
A toda a familia Votos de Felicidade, Amor e Carinho, e mais uma série de coisinhas essencias ! :)
Beijinhos
(Once)
Como dizia o meu amigo David noutro dia referindo-se ao seu lindo rebento: o nascimento dele tornou-me num ser humano ainda melhor!
Que lindas palavras Tiago:-) E que doce o João Maria!
E que excelente post para entrar no universo do teu blog, já "favoritado", pois claro.
Agora vou ali escrever "holoquad" para provar que não sou uma máquina de spam :)
:)) lindo
As fontes de inspiração são afinal a máquina do mundo!
Peço desculpa pela interrupção.
Este é um "desafio" para esta casa: 10 livros que não mudaram a minha vida (sabe-se lá por quê).
Ah! Afinal havia uma boa razão para a longa ausência, parabéns Tiago, que bonito tudo, a vida, vá. Até eu fiquei mais feliz por contágio.
Parabéns pelo feliz acontecimento. Muitos e sempre, parabéns e felicidades para a família.
AP
:) Muitos parabéns
Oi, passei por aqui e li ali.
Como não sei o que escrever,
deixo para quem sabe:
"Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
[...]
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
[...]
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!"
E eu nem gosto muito de Vinicius...
E eu sou a mulher com menos útero que conheço...
Mas é bonito...
Um abraço e parabéns,
de uma desconhecida de outro continente.
Enviar um comentário